Sobre Advanced Dungeons & Dragons
Por muito tempo sinônimo de RPG, o AD&D é o carro-chefe da outrora poderosa TSR Incorporation. Para que possamos entender este maravilhoso jogo, é preciso consultar alguns alfarrábios antigos sobre sua origem. Em 1974, Dave Arneson e sua equipe criaram um revolucionário jogo baseado nos Wargames, antecessores do atual RPG. Este jogo foi chamado de Dungeons & Dragons, um jogo de fantasia medieval, no qual os jogadores fingiam ser os heróis dos romances de cavalaria; coletando tesouros, lançando magias, usando armas mágicas... e lutando contra bestas mitológicas (alguém perguntou por dragões?).
No entanto o que realmente o diferenciava dos demais jogos da época era o fato de que os jogadores não competiam entre si: o grupo, como um todo, perderia ou venceria (apesar do conceito de vitória ou derrota ser complicado de definir no RPG, já que a diversão é o que importa) de acordo com o grau de colaboração entre eles; muito do jogo, para correr satisfatoriamente, dependia da imaginação dos jogadores, terreno sobre o qual eles criavam a atmosfera da sessão de jogo. O máximo que havia além disso era um mapa quadriculado, algumas miniaturas, lápis e papel.
Alguns anos mais tarde, o D&D sofreu uma "evolução" dando lugar ao AD&D. Basicamente as regras não sofreram modificações, tanto que é muito fácil converter um personagem de um para outro. As alterações mais radicais foram introduzidas a nível de conceitos de jogo: as classes anão, halfling e elfo do D&D deixaram de existir e passaram a ser raças, ou seja, agora era possível ser um elfo guerreiro, elfo ladrão etc. e até mesmo fazer combinações multiclasse ou dupla classe (elfo guerreiro/mago/ladrão, humano mago/ladrão etc.); os alinhamentos, que no D&D eram apenas três (Lawful, Neutral e Chaotic – Ordeiro, Neutro e Caótico), passaram a ser nove (os três originais combinados com os conceitos de Good, Neutral e Evil – Bom, Neutro e Mau); foi introduzido um sistema de perícias que ajuda na configuração do personagem, entre outras coisas.
No Brasil, a história foi um tanto diferente. RPG era algo extremamente raro, acessível apenas por importadoras e conseqüentemente muito caro. Era comum um grupo de amigos comprar um RPG em conjunto nas lojas especializadas e fotocopiarem para todos, e destes para outros grupos, formando uma "cadeia" de jogadores. O jogo mais popular era o AD&D devido à sua projeção nos EUA; por muitos anos a situação ficou mais ou menos neste patamar, até que começaram a aparecer em português os livros-jogos, pequenos livrinhos onde a progressão da história ficava por conta do leitor. No decorrer destes últimos 4 ou 5 anos, os primeiros RPGs propriamente ditos finalmente foram sendo traduzidos, a começar pelo D&D da Grow e pelo Hero Quest da Estrela (que não chega a ser exatamente um RPG), além dos lançados pela Devir Livraria, que inundou o mercado, começando com GURPS e seus complementos. Inclusive foram editados RPGs produzidos no Brasil, como Tagmar e O Desafio dos Bandeirantes. Então, a Editora Abril Jovem anunciou que traduziria grande parte da linha AD&D, começando pela série First Quest, uma espécie de introdução ao jogo. A incursão da Abril Jovem foi lamentável e, visando apenas lucro a curto prazo, a editora abandonou o projeto. Com a compra da TSR pela Wizards of the Coast, representada no Brasil pela Devir, o AD&D passou às mãos da maior potência do RPG brasileiro.
Os livros de AD&D
Agora que já temos uma noção sobre origem do AD&D, sua trajetória no Brasil e sabemos algumas das diferenças entre ele e seu antecessor, passemos para um análise do jogo em si. A TSR é a empresa de RPG com maior volume de lançamentos de ambientações, aventuras e complementos do mundo. Já são quase 30 anos no mercado, grande parte deles de maneira absoluta. Mas basicamente o que se precisa realmente para jogar o AD&D são os seguintes livros, todos disponíveis em português:
Em termos de arte, os livros mais antigos deixam muito a desejar: os dois livros básicos vinham com ilustrações pobres, quase todas em branco-preto-azul e tons de cinza, a cada certo número de páginas, vinha uma ilustração de página inteira muito bonita, sendo que as melhores estão no Livro do Jogador (a primeira, um grupo de 5 aventureiros com um pequeno dragão verde morto, é maravilhosa). Os Monstrous Compendiuns tinham as ilustrações apenas em preto e branco, com o lançamento do Livro dos Monstros, as gravuras ganharam cores e ficaram muito bonitas, embora algumas não sejam lá uma obra de arte. Mais recentemente, com o relançamento dos livros básicos, a arte melhorou bastante, muitas páginas ganharam ilustrações coloridas e o traço refinou-se consideravelmente e os suplementos posteriores seguiram esta linha.
Os Cenários de AD&D
O ponto mais forte do AD&D, sem dúvida alguma, são os seus cenários ou ambientações, construídos com muito primor, que vão do tradicional ao inusitado. Os mais conhecidos são:
Nem tudo são flores, no entanto, e existem algumas pequenas falhas no sistema do AD&D, e justamente em áreas importantes. Uma delas, e a mais criticada, é o sistema de Pontos de Vida (PV ou HP em inglês): os personagens de primeiro nível são altamente frágeis, podendo morrer com qualquer tipo de ferimento. Algumas classes de personagem, como o Arcano por exemplo, podem fazer a "derradeira viagem" com um ou dois golpes desferidos em combate desarmado (o máximo a que ele pode chegar em PVs são 6 pontos, e há golpes de combate desarmado que causam até 3 pontos de dano, sem contar bônus de força!); por outro lado, em níveis que não são tão altos assim, é possível ser golpeado dezenas de vezes e levantar-se esbravejando! Seria possível cair de uma altura de 20 metros, levantar, sacudir a roupa e sair andando!
O segundo maior ponto negativo do AD&D decorre, em parte, deste sistema de pontos de vida: a dificuldade de interpretação. Apenas jogadores experientes ou mestres muito habilidosos podem criar aventuras especializadas em interpretação neste sistema. Além disso, é comum por exemplo que um jogador que deseje interpretar um mago aplique seus mais altos valores em atributos que possam torná-lo mais difícil de ser atingido (destreza) e com maiores chances de sobreviver (constituição), fugindo da tradicional característica do mago de possuir capacidades mentais superiores às físicas.
O terceiro ponto bastante criticado é o sistema de magias. Tanto o clérigo como o mago possuem capacidades místicas e têm uma certa quantidade de magias distribuídas por níveis, que podem ser lançadas a cada dia. O problema é que após lançar uma magia, o mago ou clérigo a "esquece", precisando reestudá-la para ser capaz de utilizá-la novamente, como se a mente humana fosse um tanque de gasolina que precisasse ser reabastecido de acordo com o consumo.
Realmente estas críticas não são despropositadas e podem atrapalhar por exemplo a interpretação, mas o AD&D não é o RPG mais vendido dos EUA, segundo recente pesquisa da revista InQuest (Vampiro em 2º e GURPS em 7º), apenas por ser o único RPG de qualidade ou o mais famoso: a riqueza do cenário, a aura de romantismo em torno do tema e a possibilidade de se interpretar os antecessores dos atuais super-heróis – os cavaleiros medievais, magos, clérigos e até ladrões, como nos tradicionais filmes de capa e espada – são muito sedutoras.
É um sistema difícil? Talvez. A interpretação fica meio de lado em grupos inexperientes? Com certeza... mas e daí? Creio até que o mais emocionante deste sistema é justamente a evolução do grupo: através do divertimento os jogadores podem deixar a pancadaria de lado e interpretar mais, usando a cabeça para algo além de sustentar elmos. Mas quem já experimentou outros jogos anteriormente pode achar este sistema ruim, pois o AD&D, me perdoem, só pode ser bem explorado quando os participantes já tiverem alguma experiência com ele; aqueles que só jogaram algumas vezes não podem de forma alguma dizer que conhecem AD&D, tão pouco criticá-lo; este jogo não foi criado para ser realista e sim para divertir: é fantasia medieval, lembram? Aliás, se comparado às lendas do Rei Arthur, Carlos Magno e às histórias das Mil e Uma Noites este RPG está em perfeita sintonia com sua fonte inspiradora, o que não se pode dizer de alguns outros disponíveis no mercado.
Para
finalizar, no Livro do Mestre, existe uma sessão sobre regras opcionais,
e uma delas trata da criação de um sistema de combate mais
realista, no entanto, é dito que tais regras "…não se encaixam
bem (…) com o espírito do jogo". Esta afirmação extraída
do livro citado, já diz tudo.