Trovas do Mestre

Cenários Nacionais

Muitos jogadores de RPG subestimam o cenário nacional e buscando sempre outras fontes de inspiração. Não que exista nada de errado com uma aventura épica na Grécia Antiga, ou crônica de Vampiro em Chicago, o problema está no preconceito que alguns "Rpgistas" têm quanto a aventuras tupiniquins.

Existem no Brasil dois excelentes RPGs ambientados no rico cenário nacional. Desafio dos Bandeirantes – Aventuras na Terra de Santa Cruz mostra uma versão do período colonial, com ênfase nas entradas e bandeiras, misturando história e folclore e Era do Caos que aborda um futuro próximo com um "quê" de Cyberpunk, numa realidade em que as Lendas brasileiras dividem espaço com grandes corporações.

Mas os jogadores não precisam ficar presos apenas a estes cenários. Sem nacionalismo exacerbado, existem incontáveis períodos históricos interessantes esperando para serem jogados. Que tal participar da Guerra de Canudos, conspirar pela independência ao lado de Tiradentes, ou entrar na luta armada contra a ditadura militar?

Nessa matéria mostramos idéias para mil aventuras em cenários com a "brava gente brasileira". Basta escolher seu sistema de regras favorito e tirar aquele seu velho livro de história do armário.

 

Cenário 1 - Segundo Reinado para Castelo Falkenstein

O século passado sem dúvida é um dos períodos mais ricos de nossa história. A política fervilha, escravocratas lutam contra abolicionistas e monarquistas contra os republicanos. Dom Pedro II patrocina a arte e a ciência enquanto Visconde de Mauá traz a indústria para o Brasil e com ela inúmeras invenções e máquinas a vapor e, por fim, Duque de Caxias comanda o exército usando a influência e prestígio conquistados na Guerra do Paraguai. O meio intelectual não podia ser melhor: José de Alencar, Castro Alves e Machado de Assis debatem diariamente na livraria Garnier, junto com personagens interessantes como Simão Bacamarte (O Alienista) e o Sr. Castelo (O Homem que sabe Javanês).

Os jogadores podem ser abolicionistas radicais lutando com armas por seu ideal, membros da nobreza num mundo de glamour e intrigas, fazer parte da guarda nacional investigando crimes e mistérios, ou mesmo serem estrangeiros "importados" de outras campanhas conhecendo esse estranho Império dos Trópicos.

Idéia para Aventura: Chiquinha Gonzaga é uma mulher a frente de seu tempo, seu amor pela música faz com que abandone o marido causando grande escândalo. Os jogadores são boêmios ou amantes de arte (um ou outro pode inclusive ser apaixonado por ela) e estão todos ansiosos pela estréia da primeira peça musicada pela compositora. Na véspera da estréia, Chiquinha é raptada pelo ex-marido. Os jogadores devem resgatar Chiquinha das garras de seu antigo esposo, completamente enlouquecido por ter tido a honra manchada pelo divórcio. Na verdade, o rapto é apenas o primeiro passo de uma vingança contra toda a sociedade. Se seus planos diabólicos não forem impedidos, toda a zona boêmia e teatros da cidade podem ser queimados com uma máquina infernal. Para piorar a situação, seu esconderijo fica numa caverna em um local conhecido com pedra da gávea. Segundo as lendas indígenas, a montanha é na verdade um gigante adormecido. Sem esperar o resgate, Chiquinha tenta escapar por conta própria, cai num complexo abandonado de túneis e está prestes a desvendar esse antigo mistério, possivelmente da pior forma possível: despertando a criatura.

 

Cenário 2 - Era Vargas para Vampiro a Máscara

Uma das melhores idéias para se jogar Vampiro: A Máscara é começar uma campanha e fazê-la atravessar o tempo, aproveitando-se do conceito de imortalidade dos filhos de Caim. A Era Vargas é um dos melhores períodos para colocar esta idéia em prática. Difícil vai ser abandonar essa época e seguir para o próximo passo da história depois de começar a jogar nesse cenário. Bem, dos males o menor, felizmente a Era Vargas é tão vasta que permite uma crônica infindável.

O ambiente é propício para Vampiro por dois motivos básicos: primeiro porque nessa época as grandes cidades brasileiras começam a reunir uma população grande o suficiente para abrigar a complexa estrutura da Camarilla, incluindo príncipe, primogênitos, harpias e todo esse povo, segundo que o clima é tão tenso que idéias de aventuras não faltam, tanto para jogos de horror pessoal quanto para intrigas políticas. O conflito de ideologias pode gerar intrigas interessantes, explore o dilema do personagem entre seguir o que ele acredita ou fazer o que o clã (ou príncipe) determina.

A Era Vargas (1930-1945) é marcada pelo surgimento de partidos completamente opostos. Os integralistas de Plínio Salgado confabulam com o fascismo que assola diversas nações da Europa e do outro lado da moeda temos a Aliança Nacional Libertadora de Luís Carlos Prestes ligada ao partido comunista. O chefe da polícia de Vargas, Filinto Müller, chefia a polícia secreta responsável por torturas e assassinatos e o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) exerce a censura total em todos os meios de comunicações.

Getúlio Vargas volta ao poder em 1951, num mundo em plena guerra fria. Aqui já estamos fora da Era Vargas, mas ainda em um período muito interessante. O guarda costas pessoal do presidente, Gregorio Fortunato (o anjo negro) acaba se envolvendo numa tentativa de assassinato de Carlos Lacerda, principal opositor do governo. Cercado por forte pressão, Getúlio acaba se suicidando, saindo da vida para entrar na história.

Idéia para aventura: Como reflexo da política mortal, o mundo das trevas fervilha em agitações e revoltas. O medo da ameaça vermelha é usado como desculpa para executar qualquer um como traidor (principalmente após a destruição da Camarilla na Rússia por Brujahs idealistas). A paranóia se estabelece como padrão. Os jogadores têm seus nomes colocados numa lista de traidores. A polícia secreta passa a perseguir e matar todos na lista negra, sem direito a julgamento. Os jogadores precisam provar sua inocência e descobrir quem está por trás de tudo.

 

Cenário 3 - Sertões para Desafio dos Bandeirantes

O sertão é uma terra de bravos. Num cenário onde o próprio terreno é seu inimigo, a sobrevivência em si já é uma aventura. Desafios não faltam, famílias poderosas lutam entre si, através de bandos de jagunços; volantes de soldados (apelidados de "macacos") que deveriam manter a ordem abusam da autoridade e crueldade; beatos reúnem multidões em volta de si prometendo a salvação pela fé e por fim, cangaceiros viajam pelas grandes veredas sendo heróis ou bandidos dependendo apenas do ponto de vista. Esta é uma época em que a religiosidade e misticismo têm grande influência no cotidiano das pessoas. Num ambiente fantástico como este, promessas e rezas têm grande poder e lendas de cangaceiros que fazem pactos com o "cão" em troca da mira perfeita ou corpo fechado podem ser verdadeiras.

Existem duas maneiras de adaptar esse cenário para Desafio dos Bandeirantes: ou você altera a cronologia da Terra de Santa Cruz antecipando o surgimento do cangaço nesse mundo, ou faz o contrário, avança para uns 200 anos no futuro, (uma boa dica é usar os feitos dos bandeirantes de sua campanha como lendas contatas de pai para filho e que de alguma forma podem influenciar no presente). Você pode também apenas aproveitar o sistema do Desafio dos Bandeirantes e colocar sua aventura no mundo real, permitindo que Lampião e Antônio Conselheiro sejam convidados de honra nos jogos.

Idéia para aventura: Os jogadores são jagunços a serviço de um rico "Coronel" em meio a uma guerra entre famílias tradicionais. Ao voltarem para casa de uma investida, descobrem que a fazenda foi saqueada por uma volante do exército, junto com homens da família rival e são imediatamente caçados como bandidos. Despreparados e em menor número, os jogadores são obrigados a fugir. No primeiro momento de calma eles precisam decidir o que fazer, parte do grupo quer ir para o mais longe possível e abraçar a vida de fora da lei mas outra se considera endividada com o Coronel e não pretende descansar enquanto não vingar sua morte. Um ataque direto seria suicídio, porém é possível fazer um ataque surpresa na fazenda do rival, mas para chegar nessa parte desguarnecida isso seria preciso cruzar um deserto árido que mata todos os viajantes, repleto de doenças e espíritos malignos.

 

Cenário 4 - Ditadura Militar para GURPS

1968, estamos no auge do regime militar. O Ato Institucional número 5 (AI-5) revoga todos os direitos do cidadão restando apenas os deveres. Os partidos políticos estão extintos, a imprensa censurada, sindicatos e associações fechadas, enfim qualquer tipo de oposição foi silenciada. Políticos e artistas são exilados e muitos inclusive desaparecem para sempre nos porões da ditadura. Toda manifestação contrária, seja moderada ou radical, é taxada de subversiva e repreendida. Impossibilitados de participar da vida pública, restava aos insatisfeitos a luta armada.

Os jogadores podem ser qualquer tipo de manifestante contrário ao regime, do estudante romântico lutando por seu ideal, passando pelo músico que disfarça suas críticas em letras inteligentes, até experientes guerrilheiros que treinaram em Cuba ao lado de Che Guevara. Alguns grupos revolucionários reais como o VAR-Palmares (de Lamarca), ALN (de Carlos Marighela) ou MR-8 podem ser aliados dos personagens ou aceitá-los como membros.

Esse cenário permite se fazer uma aventura repleta de ação, mas com pessoas comuns, cheias de medos e dúvidas. A saudade de familiares, o peso da constante vigilância e paranóia, e a consciência pesada quando for forçado a matar alguém, são temas que devem ser explorados. (O ideal seria inclusive usar menos de 100 pontos para construir os personagens)

Idéia para aventura: Os jogadores vivem na clandestinidade, tendo abandonado a família e amigos, sendo abrigados a trocar de nome e endereço constantemente. Eles fazem parte de um grupo revolucionário bem estruturado. As atividades incluem uma rádio clandestina, assaltos a banco e seqüestros. As duas figuras mais influentes no grupo têm idéias diferentes de como levar a revolução: uma, mais radical, quer a revolução a qualquer custo, tendo como planos matar o ministro da fazenda Delfim Netto para acabar com o "milagre econômico", jogando o cidadão comum contra o regime e drogar jogadores de futebol para evitar uma possível vitória da seleção canarinho na próxima Copa; a outra, mais moderada, é contra envolver inocentes nessa guerra e acha que toda ação militar deve ter como segunda intenção conseguir simpatizantes contra o regime. Essa disputa serve de pano de fundo para os próprios dilemas dos jogadores que, entre um seqüestro e assalto, têm de enfrentar a solidão e isolamento, dúvidas quanto à própria ideologia, quem devem seguir, em quem podem confiar e se devem considerar as suspeitas de traição interna.

Tanto GURPS quanto Era do Caos possuem sistemas excelentes para cenários urbanos com personagens "normais".

 

Lúcio Pimentel

 

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